
Vivemos procurando relações perfeitas com um outro que nos complete. Nós mulheres muito cedo aprendemos que temos que encontrar a companhia ideal sem a qual não estamos completas. Se amamos, queremos nos fundir com o outro numa simbiose. Se não amamos, somos olhadas e às vezes nos olhamos, como se tivéssemos uma doença. Não somos normais… Falta-nos uma parte.
Fiquei com muita vontade de escrever um manifesto de repúdio a ser a parte que falta a alguém. Ou talvez, simplesmente ser rebelde e não querer ser nem ter parte nenhuma…
Não acredito que exista uma cara-metade. Talvez existam várias. Talvez, nenhuma… Na nossa vida em momentos diferentes temos necessidades diferentes. Até o amor é diferente.
Se quando apaixonados não podemos desgrudar fisicamente de alguém, naquele momento a liga que nos une pode nos levar a achar que somos completos. Mas não somos, só estamos.
Em outros momentos da vida queremos trocar ideias, construir coisas juntos, ou com outras pessoas. Surgem diversas necessidades. E assim a vida vai passando e as metades idealizadas mudando. Mesmo que essas metades mutantes tenham a mesma cara, da mesma pessoa que nos acompanha na vida.
Mas já pararam para pensar que tudo vem de dentro de nós? Que o outro é a objetificação do nosso desejo de algo?
Portanto, pra mim não há caras-metades; não existem almas gêmeas. Existem momentos de vida; encontros existenciais que podem durar o infinito de alguns minutos ou a eternidade de alguns anos. Momentos que nos preenchem bons sentimentos, alegria, projetos compartilhados, histórias na vida. Momentos que existem quando nos permitimos.
Diante de tudo isso sinto vontade de gritar: “cara, não sou sua metade!” Não tenho nenhuma pretensão de ser metade, parte, coisa, preencher faltas. Sou inteira. Inteiramente ciente das minhas faltas, das minhas angústias, do meu prazer, das minhas alegrias e tristezas, da vida, enfim! E inteira quero caminhar ao lado de outros inteiros. Quero fazer parte de interseções e não ser fração do todo do outro.
A vida é muito curta e o tempo não retrocede. Para estarmos completos, é preciso reconhecer que somos eternamente incompletos, seres desejantes, e que nossas faltas não são das partes-caras-metades do outro nem serão resolvidas pelo outro. E viva a falta porquê se ela não existisse a vida seria muito sem graça!